sexta-feira, 24 de maio de 2013

Numa cidade não tão longe daqui...



O filme de Pablo Trapero traz como cenário, a favela que dá nome ao seu filme, “Elefante Branco”, situada em Buenos Aires, que se “ergue”, especificamente, entorno de uma enorme edificação inacabada, local onde, teoricamente, seria construído o maior hospital da América Latina, porém, infelizmente sem maiores surpresas, obra esta, que se encontra completamente abandonada. Visto esse contexto, já se pode observar a conjuntura social que será tratada, abordada de forma nada demagógica, diga-se de passagem, pelo diretor argentino.

Como personagens, os padres Julián (Ricardo Darín), que dedica sua vida sacerdotal à comunidade em questão e Nicolas (Jérémie Renier), recém- resgatado de um conflito ocasionado em uma aldeia dentro da Amazônia peruana, onde provavelmente mantinha um engajamento social, além da assistente social Luciana (Martina Gusman), que já era uma grande aliada do primeiro, em prol da população ali presente. Destacando o conflito interno dos mesmos, o cansaço e a descoberta de uma grave doença que pode dar fim a uma luta ainda aparentemente longe de ser vencida; questões sobre a vocação e o celibato indo de encontro à vontade de constituir uma família, a essa possibilidade de ter uma vida “normal”, que leva pessoas de dentro da instituição a cometerem infrações de regras constituídas na Igreja Católica.

Dentro da favela, como expressões da questão social, uma luta incessante para tirar do papel um projeto de habitação para os moradores locais, uma briga entre duas facções disputando o poder político e, consequentemente, econômico, do local e, um padre, tentando com veemência, apesar de enorme dificuldade, direcionar os adolescentes para outro caminho, que não o mais próximo da realidade deles, o tráfico; tudo isso, nada distante da nossa conhecida realidade. Também deve ser colocado em debate, a influência descrita, ainda que em menor escala nos dias de hoje, da Igreja dentro do Governo, o poder político ainda exercido por esta entidade em países classificados como “laicos” e, até certo grau de um falso moralismo presente em alguns entes superiores na mesma. Obviamente sem esquecer da muito bem sublinhada (visto a realidade do filme que em certas horas, chega a passar uma sensação aos espectadores, de se tratar de um documentário) entrada, sempre da forma mais violenta possível da polícia no território aqui tratado. Sem falar no tão conhecido descaso com que os governantes tratam os, teoricamente, cidadãos, deixando-os completamente desassistidos em qualquer quesito que se possa pensar como fundamental para produção e reprodução de um indivíduo.


Em relação ao trabalho exercido pela assistente social Luciana, observa-se um discurso e principalmente uma prática, beirando o, por hora, ainda não completamente superado, assistencialismo da prática profissional da categoria, exemplificado em, por vezes, ações recorrentes ao fatalismo, como em algumas discussões que são apresentadas em momentos de tensão com os moradores por ela assistidos; em uma falta de movimento, com isso digo, de articulação política, passando uma impressão de que, “espera sentada” a ajuda e uma solução do Governo, como se não tivesse um mínimo de poder influenciável na tentativa de estabelecer redes para qualquer demanda daquela população; e, outrora, enquanto parceira na ação dos padres, recaindo em uma prática messiânica, ao distribuir cestas básicas, fazer o cadastro das pessoas e pensar que somente isso, vai mudar aquela realidade. Deixando claro que, esse serviço burocrático é fundamental para que se inicie uma transformação social, todavia, estacionando na aparência e no imediatismo, quando se dá por satisfeito e não se pensa na essência de todas essas causas e políticas públicas, meios, formas, instrumentos de intervenção para que, de fato, se reverta essa situação, é de se concluir que a prática da assistente social no filme, é tratada ainda de forma conservadora, como o senso comum a construiu, nos levando a crer que ainda temos uma boa luta para a desconstrução dessa visão moralista que nos foi rotulada.



Para finalizar, deixo uma reflexão em forma de música. O sambista, Arlindo Cruz dando voz e interpretando composições de Leandro Sapucay (“Favela”) e, Acyr Marques, Franco e o próprio (“Numa cidade muito longe daqui”).



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